terça-feira, maio 16, 2006

A milésima freguesa

Paulo de Almeida Ourives

Existem coisas que acontecem na vida da gente, que nunca esquecemos. Como por exemplo uma vez em que morava em Marataízes, e esta ainda era uma praia do município de Itapemirim, que quando chegava as férias era logo invadida por milhares de turistas vindos de Minas Gerais. Isso sem contar com os diversos cachoeirenses que todos os finais de semana estavam sempre por lá.
O cachoeirense pelo menos é bem diferente do capixaba da Grande Vitória, pois o cachoeirense é muito mais amigo e humano do que os capixabas que moram nas redondezas da capital daquele estado. O cachoeirense portanto, está para Vitória, como por exemplo, o campista em relação a cidade do Rio de Janeiro, a diferença é que no Espírito Santo, a cidade de Cachoeiro de Itapemirim e a praia de Marataízes, estão no Sul do Estado, e aqui, Campos está localizada no Norte fluminense. Mas os aspectos humanos, e a facilidade de fazer amizades é quase a mesma, no início são um pouco fechados, mas quando passam a conhecer as pessoas, são amigos sinceros e leais. O que os difere dos capixabas da Grande Vitória, que são justamente o oposto.
Portanto, quando eu e minha família, digo, meus pais e meu irmão, morávamos em Marataízes, eu, todas as manhãs, acordava cedo, me arrumava e por volta das nove horas saía com meu tabuleiro apinhado de empadas para vender, enquanto isso, a minha mãe que havia acordado ainda de madrugada, já estava preparando outras fornadas de empadas, para deixá-las prontas e serem vendidas por mim, na praia, aos milhares de turistas mineiros, cachoeirenses, candangos, e até mesmo para alguns maratimbas.
Como acontecia em todas as manhãs, eu saía de casa, e percorria o mesmo caminho até chegar a Praia da Areia Preta, ela tinha esse nome, devido a cor da sua areia, que era preta e radioativa, onde os mineiros aproveitavam para se enlamearem com aquela areia e depois tomarem um banho, pois diziam que ela curava de reumatismos.
Ao chegar na Areia Preta, ainda cedo, sempre encontrava uma família de cachoeirenses que viviam pegando no meu pé, e zoavam de mim com inúmeras piadas e brincadeiras que eu acabava levando na esportiva, mas que antes de ir embora para atender aos outros fregueses eu dizia: “um dia é da caça, o outro dia é do caçador”. E lá ia eu, doido de vontade de pregar uma peça naquela família, que era composta pelo casal e por duas filhas já casadas, que iam para a praia levar os seus filhos.
Pois bem, uma bela manhã, de sol claro, céu limpo, encontro com as duas filhas do casal, e elas ao comprarem as empadas (para elas e para os seus filhos), ficaram preocupadas se a mãe delas estava ou não, com dinheiro para comprar as empadas que ela iria querer, pelo sim, pelo não, resolveram então pagar-me adiantado duas empadas, pois a mãe delas, estava a uns cem metros dali, conversando com uma amiga.
Levantei-me e nesse exato momento, a única coisa que veio em minha mente, foi um dos capítulos do seriado “Jeannie é um gênio”, onde a Barbara Sheldon, era a atriz principal e vivia o papel de um gênio que morava em uma bela garrafa, encontrada pelo Major Nelson, quando ele e o Major Hilley tinham ido à Lua.
Num desses capítulos ou filmes, como queiram, a Jeannie resolveu fazer uma surpresa para o seu “amo”, o Major Nelson, e chamou o Major Hilley para ir com ela até o supermercado fazerem umas compras. Após rodarem com o carrinho e escolher alguns produtos, ao chegarem no caixa, uma outra personagem também com um carrinho cheio de compras resolveu passar à frente da Jeannie, que como toda dona-de-casa ficou uma fera com aquela atitude mal-educada daquela personagem. Mas o que a Jeannie não imaginava é que, quando ela chegou no caixa, ela era a freguesa de número um milhão, e por isso o supermercado iria lhe oferecer inteiramente grátis, tudo o que estava no carrinho. Ela lógico, ficou feliz da vida com aquela sorte, e a medida que o Major Hilley tirava as coisas do carrinho, ela balançava a cabeça como de costume, e cada vez aparecia mais coisas naquele único carrinho, para desespero do gerente do supermercado.
Fiz esse pequeno relato sobre este filme, para que os leitores pudessem entender o que se passou a partir daí. Como aquela família, vivia me pregando peças resolvi então pregar uma peça neles todos, e ao me aproximar daquela senhora (mãe das duas filhas), abri o meu melhor sorriso, dei um bom-dia daqueles para animá-las, e ainda recebi um elogio daqueles da dita senhora, que comentou com a sua amiga, que o melhor salgado da praia, era preparado pela minha mãe.
Ofereci como de costume para as duas, sendo que a amiga dela, de imediato comprou e pagou apenas a que ela iria comer. Mas a dita senhora, alvo da minha molecagem havia esquecido o dinheiro em casa, não fiz por menos, lembrei do seriado, e disse que ela era a minha milésima freguesa naquele dia (isso às 9 horas, na minha primeira saída), e portanto ela não precisaria pagar pelas duas empadas. Dito isso, ela ficou feliz da vida, e eu mais que depressa fui embora. E das outras vezes em que era necessário passar por ali, eu cortava caminho pelas ruas que circundavam a praia, mas passar por ali eu decididamente não passava, para deixá-la bem à vontade com a minha molecagem.
À tarde, quando eu ía jogar vôlei, era obrigado, pela lógica, a passar bem na porta daquela família, e assim, resolvi dar uma volta enorme pelas outras ruas até chegar ao local onde iríamos jogar vôlei, e assim, também não cheguei a passar na porta deles, naquela tarde.
No dia seguinte, mais ou menos por volta das 9 horas (na minha primeira saída de casa, com o tabuleiro cheio de empadas), quando cheguei na praia, de longe avistei a família toda reunida e sentada na areia, vislumbrando aquela beleza de balneário, pois ali em frente ao local onde eles estavam, havia pequenas bacias naturais de água, nas pedras, e aonde as mães levavam os seus filhos para brincarem na água.
Ao me aproximar, prometi para mim mesmo que não iria rir da peça que havia feito no dia anterior. Mas quando abri o meu melhor sorriso e dei-lhes um bom-dia, a dita senhora, olhou-me com uma cara tão feia que chegava a dar medo. Mas eu, cinicamente perguntei o que estava acontecendo, afinal de contas era mais um belo dia de sol, céu claro, a água como sempre devia estar morninha, para as crianças que se divertiam a valer na bacia, e por aí vai. Num rápido olhar pelas duas filhas, percebi um sorriso malicioso, fazendo-me entender que dessa vez eu havia lhes pregado uma peça muito maior do que a que eles faziam comigo. Mas a velha não queria nem saber de milésima freguesa, e desatou a soltar os seus impropérios e a se queixar, afinal de contas, ela havia feito uma excelente propaganda a meu respeito com a melhor amiga dela, que agora era mais uma cliente em potencial, a comprar as empadas todos os dias, e etc.
Ela ainda relatou que ao voltar, para o lugar onde estavam as filhas, comentou com elas e com o marido que estava satisfeita, pois ela tinha sido a minha milésima freguesa, e por conta disso, ela havia recebido duas empadas de brinde. As filhas, segundo ela, passaram o dia todo rindo dela, e ela não sabia porque, somente à noite, quando estavam em casa jogando um baralho, é que elas comentaram que na verdade as empadas já estavam pagas, mas elas não podiam sequer imaginar o tamanho da brincadeira que eu havia feito.
A dita senhora, então, virou-se para o marido, que estava sentado ao lado dela, com a sandália de borracha na mão, e pediu que ele me desse surra de chinelo bem na frente de todo mundo. O marido por sua vez, para imensa frustração da senhora, não agüentou deitou de costas e rolou na areia de tanto rir com toda aquela história, e a peça que eu havia feito com eles. E no final ainda lembrou:
- Mas ele sempre disse, que “um dia é da caça, o outro dia é do caçador”. E voltou a rir da esposa dele, completamente frustrada, por ter sido vítima de uma bela peça, aqui agora contada em verso e prosa para vocês.

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