terça-feira, maio 16, 2006

A respeito d´O caminho

Foi numa bela manhã, que ao chegar no Asilo do Carmo, vi uma cena que me comoveu. Era um homem andando pelo caminho, em direção ao prédio principal do Asilo. Olhando aquela cena, comecei a andar devagar, olhando, em silêncio. O que via, parecia um filme, aos poucos deixei meu sentimento brotar, não me lembro se lágrimas rolaram do meu rosto, mas a cena era firme e forte, e eu nunca esqueci.
Ali estava o retrato da vida, não apenas de um homem, mas de todos nós, seres humanos, homens e mulheres, que um dia alcançaremos a terceira idade.
Motivado por aquela cena, e diante de tudo o que eu sabia e já imaginava rever naquela instituição, comecei a mentalizar todos os passos daquele homem.
Visitei meu pai, e mais tarde quando voltei, resolvi escrever.
Para buscar a lembrança daqueles poucos minutos, mentalizei a cena, deixei que a emoção tomasse conta de mim, e com os olhos fechados fui deixando que o meu "eu" interior, tomasse conta de mim, e através desse sentimento, fui escrevendo "O Caminho".
Um retrato fiel da vida, e um texto para que todos possam utilizar como reflexão para a vida.
Boa leitura...

O caminho


O CAMINHO

Paulo de Almeida Ourives

Lá vai o homem pelo caminho,
no caminho da vida, segue um homem.
Cansado, fatigado da vida,
de tudo o que fez, do pouco que ainda resta fazer.
Lá vai o homem pelo caminho,
amparado pela sua bengala, agora sua única companheira,
que ele trata com afago e carinho.
Lá vai o homem, sozinho pelo caminho,
sem o carinho de tantos que ele deixou pelo mundo.
É um caminho longo de repente,
ele pára, põe a mão esquerda nas costas,
estufa o peito, respira fundo,
olha para trás, para ver o quanto ele caminhou,
olha para frente, e vê o pouco que ainda lhe resta,
no caminho.
Deixa os ombros cair, resignado,
diante da caminhada.
É triste olhar para trás,
e ver como foi longa a caminhada,
é duro ter que olhar para frente,
e lembrar que agora a jornada é solitária.
Mas ele segue,
porque sabe, que não há alternativa,
e o homem volta a andar pelo seu caminho.
Tristeza nos olhos,
fatigado pela vida,
desolado pela solidão,
amargurado pelo esquecimento,
de quem ele colocou no mundo,
e que agora, o deixa ali,
pelo caminho, sozinho.
A vida é assim,
de alegrias e tristezas,
vitórias e derrotas,
amor e solidão,
inimizades e companheirismo.
Quem esquece um parente no asilo,
não sabe o que lhe espera.
A ilusão da juventude,
será a amargura na velhice.
O esquecimento de hoje,
será a solidão de amanhã.
...
Todos nós, homens e mulheres,
temos um pouco do homem,
que segue pelo caminho.
Enquanto alguns se preocupam,
e dão conforto e carinho,
outros passam ao longe,
curtindo a vida,
esquecendo que um dia,
também ficarão cansados da jornada,
serão idosos,
mas que não poderão reclamar de nada,
principalmente, do esquecimento de parentes,
pois enquanto jovens,
nunca se lembraram do pai, da mãe, dos avós e dos tios.
Mas a vida segue em frente,
e Deus sempre ampara,
aqueles que chegam cansados,
da longa jornada,
pelo caminho da vida.

O TriCampeonato em 70

A grande verdade é que, por mais que tenhamos uma nova geração de craques do quilate de um Ronaldo e um Ronaldinho Gaúcho, ainda assim, a Seleção de 70 está entre as melhores equipes brasileiras em Copas do Mundo.
Fato ou não, e olhando de hoje, para as fraquezas humanas, percebemos entre as duas seleções, a de hoje e a de ontem, uma grande diferença, enquanto em 70, a seleção jogava por amor à Pátria, a de hoje joga sem convicção e apenas como compromisso profissional.
Diante disso, qual das duas, seria a melhor? Infelizmente o que falta aos nossos atletas, é justamente o que sobra nos argentinos, garra e amor à Pátria sob qualquer circunstância.
Em 98, escrevi esse texto abaixo em homenagem àqueles héróis, que nos deram a alegria, do terceiro título, e trouxeram definitivamente, a Taça Jules Rimet, para o Brasil.
Com vocês, "Os Heróis do TriCampeonato"...

Os Heróis do Tri-Campeonato Mundial


Os heróis do Tri

Paulo de Almeida Ourives

Este outro artigo, também foi publicado na mesma edição da revista Momento, que circulou no Espírito Santo, pouco antes da Copa do Mundo de 1998, na França. Naquela oportunidade, a última edição da revista foi totalmente dedicada ao futebol brasileiro, principalmente a história de todas as Copas do Mundo, nas quais o futebol da nossa seleção esteve sempre representado.
Eis aqui na íntegra, o meu artigo sobre a conquista do tricampeonato em 1970, no México:
“Em 1970 a seleção brasileira se preparou convenientemente para conquistar o título inédito de tricampeão do mundo. É verdade que parte do sucesso desta equipe se deve ao jornalista e comentarista esportivo João Saldanha que antecedeu a Mário Jorge Lobo Zagallo no comando técnico da seleção, e por que não dizer, convocou o grupo que iria para o México, é verdade que foi Zagallo quem mexeu na equipe, colocando em campo atletas que jogavam nas mesmas posições, como Tostão, Pelé, Jairzinho e Rivelino, além de Piazza que no Cruzeiro jogava como médio-volante e na seleção atuou como quarto-zagueiro, formando dupla com Brito. Foi uma preparação como nunca se viu antes e depois de 70.
Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivelino, esta equipe ainda continua na memória de um pequeno contingente dos 90 milhões de brasileiros que faziam parte do Censo do IBGE daquele ano. Brasileiros que ainda se lembram daquela marchinha que tantas vezes foi cantada, tanto em dias de jogos do Brasil como durante, e muito tempo depois da Copa.
Foram 90 milhões de brasileiros e milhares de pessoas no México e no mundo inteiro que se encantaram com aquela seleção, uma seleção que jogava com maestria, envolvendo os adversários até chegar ao golpe mortal, o gol.
Verdadeiros gênios da bola, que vislumbravam as jogadas, a melhor maneira de atacar e de se defender, de enfrentar as retrancas adversárias, de vencer os fantasmas e os temores, de um Uruguai e do Peru, até chegar à final contra a Itália, num show de futebol como jamais o mundo viu, nascendo daí, aquele que seria o maior clássico do futebol mundial, Brasil x Itália.
De todas as Copas, sem dúvida nenhuma a Copa de 70 marcou profundamente o futebol brasileiro, quem não se lembra da comemoração brasileira a cada gol, em forma de pirâmide humana, o soco no ar de Pelé, os gols que Pelé não fez, como aquele drible no goleiro uruguaio Mazurkievicz, a tentativa do meio de campo contra a Tchecoslováquia, a defesa monumental de Banks, goleiro inglês e o chute fatal do capitão Carlos Alberto Torres, um petardo de fora da área que estufou a rede dos italianos, um gol antológico que entrou para a história de todas as Copas como um dos gols mais bonitos, mais marcantes e vibrantes.
Além dos heróis já escalados acima, a seleção brasileira contou com outros jogadores, que também fizeram parte da história daquela Copa, que foram, Leão, Ado, Baldochi, Marco Antônio, Fontana, Zé Maria, Roberto, Rogério, Paulo César Lima, Joel, Edu e Dario.
Além de Zagallo no comando técnico da equipe, vale destacar o trabalho incansável de profissionais que deram tudo de si para a conquista definitiva da Copa Jules Rimet, foram eles: Cláudio Coutinho, então supervisor e, em 78, técnico da seleção na Argentina; Admildo Chirol e Carlos Alberto Parreira como preparadores físicos, sendo este último, o técnico na conquista do tetra em 94, nos Estados Unidos; Dr. Lídio Toledo e Dr. Mauro Pompeu como médicos, e o inesquecível massagista Mário Américo, entre outros.
Estes foram os heróis de um tricampeonato conquistado com a mais pura arte de jogar futebol, e ficará na memória de todos como uma das melhores seleções brasileiras de todos os tempos”.

Introduzindo "A Primeira Conquista"...

Já que estamos às vésperas de uma Copa do Mundo, porque não falar de Copas? Pois bem, esse texto abaixo eu escrevi às vésperas da Copa da França, em 98. E sem a falsa modéstia, surpreendi meu pai, com tamanha riqueza de detalhes, para uma Copa que é anterior ao meu nascimento.
Com vocês, "A primeira conquista"...

A primeira conquista brasileira em Copas do Mundo


A primeira conquista

Paulo de Almeida Ourives

Muitas pessoas às vezes me perguntam quando é que vou escrever sobre o futebol, como meu pai, que trabalhou durante muitos anos em Campos, nos principais jornais da cidade e era muito conhecido pelas diversas matérias e artigos que escrevia sobre o futebol campista. Um futebol tão rico quanto a história dos principais clubes brasileiros, recheada de tantas emoções, glórias, vitórias, conquistas e também de derrotas mágoas e tristezas.
Como prova de que há muito tempo já havia escrito sobre o futebol, transcrevo aqui neste livro, dois artigos que foram por mim escritos e publicados na última edição da revista Momento, que circulou no Espírito Santo, pouco antes do início da Copa do Mundo de 1998, quando a nossa seleção infelizmente foi derrotada na final pela seleção francesa.
Eis aqui o que havia escrito sobre a primeira conquista brasileira em gramados europeus, o que valeu diversos elogios do meu mentor, professor e pai, Paulo Ourives.
“Depois de algumas tentativas fracassadas nas três primeiras Copas, onde o Brasil mostrou um pouco do que sabia e não conseguiu ir adiante, além da frustração da perda do título em 1950 em pleno Maracanã para o Uruguai por 2x1, e a derrota na segunda fase para a fortíssima Hungria de Puskas e Czibor na Copa de 54, o Brasil se preparou como nunca para a Copa de 1958. Ali estava a nata dos maiores talentos do futebol brasileiro, jogadores como Gilmar, Nílton Santos, Djalma Santos, Zito, Didi, Garrincha, Vavá, Zagalo, Dida, Belini, Joel, Mazola, Pepe, Mauro, De Sordi, Orlando, Zózimo, e Oreco entre outros, e um menino de 17 anos que entraria definitivamente para a história do futebol mundial, seu nome? Pelé.
Os saudosistas que têm no jornalista Armando Nogueira, seu maior expoente, dizem que a conquista de 58 foi uma das melhores apresentações brasileiras em Copas do Mundo, já que a linha de frente que entrou para disputar os jogos contra a União Soviética, País de Gales, França e finalmente os donos da casa, a Suécia, eram nada mais, nada menos que Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo. Além disso, lá atrás estavam Gilmar, Djalma Santos, Belini, Orlando, Zito e Nilton Santos. Um verdadeiro escrete, uma equipe que jogava por música, jogava no melhor estilo brasileiro, com toques refinados sob a batuta de jogadores experientes como Didi, Zito, Nílton Santos, Djalma Santos, Vavá, Belini e Orlando. O que os nossos adversários não sabiam, ou não imaginavam era o que aquele homem de pernas tortas, Garrincha, e aquele menino escurinho, Pelé, seriam capazes de aprontar. Basta dizer que quando o técnico Vicente Feola aceitou a sugestão dos jogadores Didi, Nílton Santos e Zito de colocar em campo Garrincha e Pelé no ataque da seleção, ele iria desmontar por completo o esquema tático da União Soviética e dos outros adversários, com atuações divinas do nosso anjo de pernas tortas, que fez o que quis dos “joões” soviéticos, galeses, franceses e suecos.
Quanto ao menino de 17 anos, bem, ele iria encantar o mundo com as suas jogadas em alta velocidade e um dos gols mais bonitos já vistos em todas as Copas do Mundo, contra o País de Gales, além de três belíssimos gols contra a França e dois contra os suecos.
Os mais novos se perguntam por quê até hoje o Brasil que possui tantos talentos não se apresenta em Copas do Mundo como aquela equipe de 58, com aquele futebol mágico, que encanta as multidões e deixa os adversários cépticos de que existam neste mundo atletas que consigam fazer o inimaginável com a bola.
Entre os mitos e as lendas daquela seleção, houve jornais no mundo inteiro que chegaram a noticiar que aquela equipe era de extraterrestres, tal a ousadia e a firmeza com que jogavam, os passes precisos e milimétricos, o bailar de Garrincha e seus dribles desconcertantes, que já foram tema de diversas crônicas esportivas dos mais renomados jornalistas e romancistas brasileiros.
São 40 anos, desde a primeira conquista e, ela ainda será lembrada como o primeiro beijo, o primeiro emprego, o primeiro salário, a primeira cerveja, a primeira namorada, e tantas outras coisas que entram para sempre nas nossas lembranças como sendo sempre a primeira em cada um de nós”.

Futebol

Lá se foi o tempo em que tudo era perfeito e maravilhoso. Saudades de infância, dos jogos de futebol nos campinhos espalhados em cada terreno baldio. Saudades, do movimento nos dias sábados e domingos, em que havia partidas de futebol, pelo Campeonato Campista.
Saudades de um tempo em que o futebol era romântico, não havia violência das torcidas como hoje, e o que valia à pena, era ir ao estádio, torcer como nunca, pelo Goytacaz, Americano, Rio Branco, Campos, Sapucaia, Paraíso, Cambaíba, São José, União de Ururaí, e por aí vai...
Durante uma boa parte da minha infância e adolescência, acompanhei o Campeonato Campista, junto com meu pai, Paulo Ourives. Ía aos estádios vê-lo trabalhar e acompanhar essas partidas, esses clássicos, e as disputas acirradas de cada uma.
Não tive lógico o prazer de ver o Goytacaz ser campeão, pois cheguei à Campos, quando o Americano iniciava a sua histórica trajetória de nove títulos consecutivos. Mas mesmo assim, vi jogos memoráveis, nos quatro estádios da cidade, e nos outros estádios da zona rural.
Lembro das brigas do Rio Branco contra o Americano, e da luta do Goytacaz, para conseguir o seu tão desejado título e sobrepujar ao Americano.
Lembro dos seus jogadores, que fizeram história, como, Haroldo, Capetinha, Paulo Roberto, Ico, Messias, Zé Henrique, pelo Americano; Piscina, Pontixeli, Ricardo Batata, Jocimar, Marcolino, Miguel, Totonho, pelo Goytacaz; Betinho e Gonzaga, pelo Sapucaia; Índio, pelo Cambaíba; e outros cuja memória nesse momento me falha, mas atletas que deixaram suas marcas na história.
Por isso, o texto abaixo é uma justa homenagem para àqueles que um dia foram estrelas, e povoaram os meus e os sonhos de cada um de nós...

Saudades dos jogos de futebol em Campos



Uma partida de futebol

Paulo de Almeida Ourives

É manhã de domingo, um domingo sem graça, uma ventania que não me deixa andar. Um desses ventos que me faz lembrar do “Minuano”, vento dos pampas gaúchos que chega a assobiar - apesar de nunca ter ido lá, para ver ou sentir o “Minuano” -, mas sinto falta de alguma coisa!
Daqui a pouco vai ter mais um show no Jardim São Benedito, cartão postal da cidade, mas quem será que vai cantar? Talvez um cantor ainda sem expressão, mas e depois? Todos irão para casa, almoçarão, irão descansar, ver TV, à noite vai chegar, e amanhã será segunda-feira, dia de voltar ao trabalho. Mas, está faltando alguma coisa!
É isso! Porque não lembrei?
Estou com saudades daquelas tardes de domingo em que havia partidas de futebol pelo campeonato campista, a ausência dos grandes clássicos disputados entre as quatro equipes da cidade, o Americano, o Campos, o Goytacaz e o Rio Branco, isso sem falar nas equipes da zona rural, como o Sapucaia, o Cambaíba, o Paraíso, o União de Ururaí, o São José e tantos outros clubes que existiam e eu os vi atuar em partidas nos estádios Godofredo Cruz, Ary de Oliveira e Souza, Ângelo de Carvalho, no antigo estádio Constantino Escocard, na rua Sete de Setembro, e que hoje não existe mais.
Pobre juventude! Que fica torcendo pelos clubes do Rio de Janeiro, e jamais assistiu partidas memoráveis, como por exemplo um Goytacaz e Americano, ou um Rio Branco e Campos, na rua Sete de Setembro, ou lá no Parque Leopoldina. Ah! Que dias maravilhosos quando o meu pai me levava para assistir a estas partidas! Muitas pessoas chegavam em caravana do interior para torcer pelo seu clube. Eram ônibus lotados, carregados com suas bandeiras, bandas que animavam os torcedores, fitas nas cabeças, e o principal, cada qual ostentava com orgulho a camisa do seu clube.
Como era maravilhoso assistir aquelas cenas do lado de fora do estádio, pais carregando seus filhos no colo, outros filhos de mãos dadas com outros pais, e até as mães com suas filhas vinham assistir a uma partida de futebol.
Era gostoso parar para observar aquelas cenas que ficaram gravadas na minha memória. Os pais entravam nas filas para comprar ingressos, carregando muitas vezes os filhos, e ainda víamos os vendedores ambulantes aproveitando aquele raro momento para conseguir vender cada vez mais. Eram vendedores de bandeiras, flâmulas, fitas para a cabeça, almofadas com os escudos dos clubes, chaveiros, cornetas plásticas com inúmeras cores, bolas coloridas, inclusive com as cores dos clubes do Rio. Havia vendedores de laranja, Q-Suco em pequenas garrafinhas plásticas, e os famosos vendedores de picolé e de biscoitos “engana-torradinhos”, que quando colocávamos na boca, desmanchavam e enganavam a todos com o seu tamanho. Havia também os vendedores de doces como o “quebra-queixo”, balas duras que quando mastigávamos parecia que iria quebrar os nossos queixos e levávamos horas para degustar aquela iguaria.
Depois de pagos os ingressos, homens, mulheres e as crianças, entravam no estádio, procuravam escolher o melhor lugar, naquela época não havia a violência de hoje, e cada qual torcia únicamente pelo seu clube, sem se importar com as torcidas organizadas que ainda eram poucas. Mas todos juntos torciam por igual, gritavam, choravam, esperneavam e como sempre xingavam o juiz da partida. Em meio a partida, a gurizada já ficava de olho nos diversos vendedores que passavam para lá e para cá, para desespero dos pais.
“Olha o picolé!” E a gurizada mais que depressa aproveitava para gritar: “água pura ninguém quer!”, e lá ía o nosso vendedor morrendo de rir da rima. “Olha o Q-Suco geladinho!”, e os pais ficavam por conta, porque a cada hora eram obrigados a meter a mão no bolso para comprar mais uma guloseima, e a partida continuava... De vez em quando os pais esqueciam dos filhos e soltavam um uivo “Uhhhhhhhh!”, a bola passou rente à trave, e quase saiu o gol.
Era um domingo diferente! A família reunida para assistir a uma partida de futebol num estádio da cidade, quando chegava o intervalo da partida, era a vez dos pais saírem de cena para comprar uma cerveja bem gelada, um churrasquinho, ou um salgado. É bem verdade que no estádio Ary de Oliveira e Souza, havia um vendedor muito especial, que vendia laranjas já descascadas na máquina, e a gurizada que acompanhava o pai, ficava boquiaberta vendo aquela maquininha a descascar a laranja, que seria chupada e acabaria virando arma na mão dos pais. A vítima, como sempre acontecia em todos os domingos, era o árbitro da partida, que se marcasse algo contra o seu time de coração seria o alvo preferido de uma laranja chupada. É bem verdade que de vez em quando o alvo era o técnico que havia feito uma péssima substituição, na opinião daqueles pais, tão entendidos de futebol.
Numa partida de futebol ainda havia outras figuras de destaque, como por exemplo a imprensa, os repórteres de campo, os narradores, os comentaristas esportivos, sempre atentos ao desenrolar das mudanças táticas das equipes, e aqueles sujeitos que ficavam parados à beira do campo, segurando o fio do microfone. Isso sem falar nos fotógrafos que corriam para lá e para cá, para buscar o melhor ângulo e bater uma foto. E a partida, prosseguia...
Fim de partida, um 0x0, nenhum vitorioso, ninguém saiu perdendo, todos voltando para o ônibus, silenciosos, cansados, fatigados, mas felizes pois assistiram a uma bela partida de futebol.
Pena que o Campeonato Campista acabou, algumas equipes morreram, e só quem acompanhou o futebol compreende a falta que aqueles domingos nos fazem. Mas ainda há algo pior, sómente depois de muitos anos, é que um grupo de rock nacional, o Skank, em uma homenagem a estas maravilhosas tardes de domingo, fez uma música sobre uma partida de futebol. Quem já ouviu, tente ao menos lembrar da melodia, leia de novo esta crônica e se emocionem, pois não iremos mais ver aquelas partidas de futebol.
Eis a letra da música:
“Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede pra fazer um gol
Como jogador
Quem não sonhou
Em fazer um gol, e ser jogador
de futebol?
A bandeira no estádio é um estandarte
A flâmula pendurada na parede do quarto
O distintivo na camisa do uniforme
Que coisa linda
É uma partida de futebol.
Posso morrer pelo meu time
Se ele perder, que dor, imenso crime
Posso chorar se ele não ganhar
mas se ele ganha
Não adianta
Não há garganta que não pare de berrar
A chuteira veste a meia que veste o pé descalço
O tapete da realeza é verde é o gramado
Olhando para bola eu vejo o sol
Está rolando agora
É uma partida de futebol
O meio campo é o lugar dos craques
Que vão levando o time todo pro ataque
O centroavante, o mais importante
Que emocionante
É uma partida de futebol
O meu goleiro é um homem de elástico
Só os dois zagueiros tem a chave do cadeado
Os laterais fecham a defesa
mas que beleza, com certeza
É uma partida de futebol.”
Azzzzzuuuuuuuuullllllllll!
Azzzzzuuuuuuuuullllllllll!
Caaaaaaaannnnnooooooooooo!
Caaaaaaaannnnnooooooooooo!
Caaaaaaaannnnnnooooooooooo...
Que saudades!...

Uma grande história

Mal saí de casa e fui observando tudo o que acontecia à minha volta. De Coqueiral de Itaparica, até a Prainha, em Vila Velha, vivi muitas emoções, e depois de 15 anos, consegui colocar no papel, exatamente o que havia sentido em "A Greve de Ônibus - Da ira a um momento de paz espiritual".

A greve de onibus - Da ira a um momento de paz espiritual

A greve de ônibus - Da ira a um momento de paz espiritual

Paulo de Almeida Ourives

São três e meia da manhã, levanto da cama em um pulo, e corro para o banheiro para me lavar, tomar um banho e ir para o trabalho. O barulho que fiz em abrir a porta do meu quarto e fechar a do banheiro logo desperta os meus pais, naquele momento eles já sabiam que eu estava me preparando para mais um dia de trabalho. A minha mãe que já estava de prontidão esperando que eu me levantasse foi de imediato para a cozinha preparar o café. Após me lavar e tomar um banho, vou para o meu quarto vestir o uniforme da loja em que trabalho. Saio do quarto já pronto e encontro o meu pai na sala, ainda sonolento, me perguntando porque que eu levantei tão cedo.
Respondo-lhe que como há uma greve de ônibus e ninguém tem notícias se eles irão voltar a trabalhar, irei até a Prainha, em Vila Velha, e de lá pegarei a primeira barca. Pois ainda é cedo, e certamente mais tarde, elas ficarão lotadas, correndo o risco de virarem na Baía de Vitória.
Tomo meu café, volto para o meu quarto, para pegar alguma coisa (não me lembro o quê!), e saio pela madrugada, com destino a Prainha. Ao sair ainda escuto o meu pai falando que está muito escuro e é perigoso. Já é tarde, a minha pressa é tanta que já estou bem longe para responder-lhe que para quem tem fé em Deus, nada irá acontecer.
Da porta do apartamento, que fica num imenso conjunto habitacional, até a rua é um bom pedaço. Passo pelo portão, cumprimento o vigia da noite, e tomo o meu rumo, subindo a rua Santa Leopoldina até a rua Luciano das Neves, em sentido contrário ao dos veículos.
Logo que chego na primeira esquina, ainda próximo do conjunto, começo a pensar e praguejar contra os motoristas de ônibus, que no dia anterior, resolveram começar a greve ao meio-dia, deixando milhares de usuários nas ruas de Vitória.
- “Esses capixabas são uns frouxos, se fosse no Rio de Janeiro, tenho certeza que eles seriam apedrejados e linchados em praça pública pelos próprios usuários. Mas, como é aqui, o capixaba não reclama de nada e ainda aceita essa baderna!”.
Foi com esse pensamento, que comecei a minha caminhada, com raiva, e porque não dizer ódio daquela situação. Confesso que a raiva não era apenas por mim, mas pelas milhares de pessoas que também trabalhavam no centro de Vitória e que como eu moravam bem distante. Havia pessoas que moravam em Viana, o município da Grande Vitória que ficava mais distante da capital. E o que dizer dos moradores da Serra? Outro lugar distante.
- “Porque o governo não toma uma atitude e acaba de vez com essa palhaçada? Já deveriam ter tomado uma atitude e proibido os motoristas e cobradores de cometerem esse desatino, contra a população. E eles (os motoristas), ainda acham que com essa atitude irão colocar o povo ao lado deles e contra o governo! São uns burros, isso sim!”
Já estava na esquina das ruas Santa Leopoldina com Luciano das Neves e entre um pensamento e outro, vislumbro o céu. Havia sido uma noite clara. Naquele ponto da avenida, já mais alto do que a rua Santa Leopoldina, consigo ver as Três Marias bem no alto da minha cabeça, um pouco mais para a minha direita, vejo o Cruzeiro do Sul.
- “Aquela estrela ali é o planeta Vênus. Que noite maravilhosa, pelo visto o dia hoje promete uma praia, e eu tenho que ir trabalhar. Ainda bem, que amanhã é sábado, e se o tempo estiver firme, no domingo pego uma praia”.
Estando firme em meus pensamentos, percebo aos poucos que ainda me sinto preso, andando devagar. Parecia que os maus pensamentos contra os motoristas não me deixavam andar da maneira como sempre andei, rápido. Tento então desprender-me daqueles pensamentos e soltar-me fazendo o que mais gosto, apreciar a natureza, observando a claridade no horizonte e, ao mesmo tempo, andar, andar muito, até chegar na Prainha.
Olho as horas, e vejo que os ponteiros avançaram muito e eu, quase nada em relação a distância que ainda falta até a estação das barcas. Aos poucos, concentro-me na minha caminhada e nos meus passos. Olho para a avenida e não vejo ninguém. Sinto que minhas pernas começam a se soltar, os meus passos passam a ser mais largos, os meus braços também se soltam, e começo a minha caminhada em ritmo acelerado.
- “Que bom, já estou chegando em Itapoã! Ali é a esquina da Jair Andrade, logo, logo, estarei no Terminal que deve estar vazio”.
- “Nossa! Já estou suando! Meu coração está mais rápido! E eu já consegui chegar até aqui em poucos minutos!”.
Passo pelo Terminal de ônibus e o vejo completamente vazio. Em outros dias, naquele horário já estariam chegando os primeiros ônibus para mais um dia de trabalho.
De repente, bem à minha frente aparece alguém andando tão rápido quanto eu, e também segue pela rua Luciano das Neves.
- “É um marreco! Aposto que ele deve estar atrasado. Mas se ele pensa que irá me ganhar na caminhada, ledo engano! Já estou acostumado a andar rápido e vou conseguir passar por ele”.
E assim, depois de ter começado a minha caminhada com ódio no coração, vou mudando o rumo dos meus pensamentos, e percebo que a medida em que livro o meu coração do ódio e do rancor contra os motoristas, vou me soltando e andando cada vez mais rápido.
- “Vou conseguir passar! Acho que quando chegar na esquina da Lojas Elmo, esse “marreco” ficará para trás”.
Os meus passos são rápidos, depois de ter passado pelo terminal, ando um bom pedaço até chegar a Praça principal de Vila Velha, onde na esquina das ruas Luciano das Neves e Champagnat, o capixaba se depara com a sapataria Elmo, e do outro lado o Bradesco. Naquela mesma calçada, com um cálculo matemático perfeito consigo passar pelo meu suposto concorrente.
Chego na esquina e ainda vislumbro à minha direita toda a extensão da Avenida Champagnat e, lá no horizonte, além da Praia da Costa, os primeiros clarões do alvorecer. Sigo em frente, ainda pela Luciano das Neves, e decido que na segunda esquina irei entrar à direita e depois à esquerda, pegando uma rua (não lembro o nome dela) que vai dar direto na estação das barcas.
- “Caramba, a hora está voando! Tenho que ser mais rápido, senão irei chegar atrasado, e não conseguirei pegar a primeira barca para Vitória”.
Depois que vi a hora no meu relógio, percebi que apesar de ter saído de casa tão cedo a hora tinha andado muito, e em poucos minutos a primeira barca iria sair. Só tive um segundo para respirar fundo e atirar-me em uma caminhada alucinante com destino a estação. Resolvi então parar de pensar e refletir, para me concentrar única e exclusivamente nos meus passos até conseguir chegar a estação, na Prainha.
Andei um bom pedaço, em passos rápidos. Quando cheguei atrás da Câmara Municipal, escutei o apito da barca, mais que depressa acelerei o mais que pude. Na praça em frente a estação resolvi então dar um bom pique, pois ainda precisava pagar a passagem para então entrar na barca.
Corri, e quando cheguei na estação antes de dirigir-me para a bilheteria - para minha frustração -, percebi que havia corrido à toa. O portão existente no saguão dos passageiros, ainda estava fechado, e aquele apito que me assustou nada mais era do que um aviso para aqueles que, como eu, ainda estavam na Prainha, pudessem apertar o passo, pois a barca já tinha chegado.
- “Droga, corri à toa, e já estou todo molhado de tanto suor. Ainda bem que está batendo este vento fresco, vou ficar na janela para me refrescar e, quando chegar em Vitória já estarei seco novamente”.
Cinco minutos depois de ter chegado na Prainha, ter pago a passagem e esperado o fiscal abrir o portão, corro para pegar um bom lugar na barca, apesar de ter poucas pessoas para viajar naquele horário.
Depois de tocar várias vezes o apito, o “mestre da embarcação”, começa a colocar a barca em movimento. Eu que havia me instalado na janela, bem atrás dele. Abro um pouco a minha camisa para refrescar melhor e percebo que já não me lembro de tantas coisas que havia pensado e praguejado contra os motoristas de ônibus. A única coisa que queria naquele momento era admirar a Baía de Vitória, naquela hora, quando os primeiros raios de sol começassem a surgir no horizonte. A barca pega o seu rumo, em sua trajetória normal, acompanhando a imensa pedra onde se localiza o Convento da Penha e o 56º Batalhão de Infantaria, em Vila Velha.
Quando a barca chega próximo das marquises da Terceira Ponte, a claridade do dia e o vento fresco, invadem a barca, refrescando-nos e mostrando que o dia que está nascendo será de sol claro. A barca então, faz uma curva para a esquerda e toma então o seu rumo, em direção a outra estação, no centro de Vitória. Aos poucos vou distinguindo cada bairro, e cada ponto marcante de Vitória e Vila Velha, naquela viagem.
- “Lá está o Palácio do Café; o Aterro da Comdusa, onde o Papa João Paulo II celebrou uma missa campal; ali na frente é a Enseada do Suá...”. E assim, vou reparando em todos os detalhes e contornos de Vitória.
Somente quem andou naquela barca sabe do que estou falando. E convido você caro leitor, que faça esse passeio de barca entre as duas cidades, tenho certeza que irão gostar muito.
- “Já estou chegando no Clube Álvares Cabral. Ali na frente é a Prefeitura. Daqui a pouco estarei passando em frente ao prédio da Rede Gazeta, e então chegaremos no Terminal do Colégio Dom Bosco”.
E assim, eu ía marcando os pontos característicos das empresas e locais públicos de Vitória, até chegar ao meu destino, que era a estação do centro da cidade.
Depois de ter parado no Terminal do Dom Bosco, como é conhecido aquele terminal, volto a minha atenção para um dos pontos mais bonitos daquela viagem, de um lado o Clube de Regatas Saldanha da Gama, com seus canhões apontados para a Baía de Vitória, do outro lado da margem, a pequena pedra que está ao nível do mar e, a enseada, tema de outra crônica deste livro.
- “Lá está a Primeira Igreja Batista, a Praça Getúlio Vargas, o estacionamento, os fundos da Mesbla, onde trabalho, o Banco Itaú e já estou quase chegando”.
Aos poucos a barca em que viajo vai chegando ao seu destino, e percebo aos poucos como aquele passeio me foi benéfico. A barca pára, salto para o cais e ganho a avenida Beira-Mar.
Olho para o relógio confiro o tempo da viagem, e o tempo que ainda falta para começar mais um dia de trabalho. Apesar do início da manhã, vejo algumas pessoas caminhando em direção aos seus locais de trabalho, continuo a minha caminhada pela calçada, com destino a Praça Getúlio Vargas, mas ainda me dou ao privilégio agora, de vislumbrar uma boa parte da Baía de Vitória, os navios ancorados no Porto de Capuaba, e a enorme quantidade de carros Towner que estão desembarcando do outro lado. Chego próximo do estacionamento, que fica atrás da Mesbla, e ainda me deparo a olhar as belezas naturais daquela Baía.
Logo, alguém passa e me chama para mais um dia de trabalho, só então é que percebo, que quando sair do trabalho será tarde demais para voltar para casa de barca. Mas aí já é uma outra história e, certamente a empresa em que trabalho não iria nos deixar na mão. Mas que valeu a pena, valeu! Pois saí de casa irado com a greve, e agora depois desse passeio, sinto uma tremenda paz espiritual.

P.S.- Acabo de escrever esta crônica, que é um relato do que passei, depois de quase 15 anos.

Incrível...

como é que em meio a tantas informações a respeito do sexo na tv, ainda fui encontrar um cobrador da Viação Itapemirim, que não sabia nada a respeito de sexo. Vejam só isso...

Como ela se machucou?

Como ela se machucou?

Paulo de Almeida Ourives

De vez em quando acontece umas coisas estranhas em viagem de ônibus que não dá para ficar quieto, principalmente quando vemos ou ouvimos alguma mancada pronunciada por alguém que está viajando. E assim aconteceu, uma vez em que viajava como de costume entre Cachoeiro de Itapemirim e a praia de Marataízes.
Após o ônibus ter passado pela localidade de Safra, na divisa dos municípios de Cachoeiro de Itapemirim e Itapemirim, onde fica situada a praia de Marataízes, que agora é emancipada, o ônibus prossegue viagem até a Usina Paineiras, nesse meio tempo, antes de chegarmos na usina, eu lá de trás percebo um alvoroço em algum banco da frente e escuto que uma pessoa está passando mal. É aquele corre-corre, abre-se então as janelas para que a pessoa possa se refrescar e respirar melhor.
Percebo então que a pessoa que está passando mal é uma passageira que está ao lado de uma senhora. Esta por sua vez, avisa e pede ao motorista que ele pare em uma fazenda que fica logo depois da saída da Usina Paineiras, para que ela possa ajudar a mocinha que estava passando mal. Quando chega no referido ponto, descem as duas passageiras e o ônibus então prossegue viagem, mas aquele mal-estar característico do cheiro nauseativo de vômito não surge em nossas narinas, o que aliás me chamou a atenção, afinal de contas, quando alguém passa mal em ônibus logo vem a lembrança de qualquer passageiro, que alguém têm ânsia de vômito, mas tal não aconteceu, o que fez com que respirássemos aliviados, principalmente para os passageiros que estavam sentados atrás das duas passageiras.
Fechada a porta, o trocador então resolveu ir até o local onde as duas estavam sentadas, observa alguma coisa em um dos assentos e comenta bem alto para o motorista:
- “Ué, mas como ela se cortou, se ali não há nada que pudesse feri-la ou corta-la, para que saísse tanto sangue?”, perguntou o trocador.
Eis que a risada foi geral, principalmente lá na frente, onde havia muitos passageiros e eles perceberam a inocência do trocador. O motorista então foi o que mais riu do companheiro de primeira viagem. E ainda resolveu tirar um sarro da cara dele, pedindo que ele voltasse até a poltrona e procurasse em baixo da poltrona se a passageira havia deixado cair algum objeto cortante. O infeliz do trocador, inocente, coitado, voltou, agachou-se no corredor para olhar por baixo da poltrona e respondeu:
- “Não há nada aqui, que pudesse cortá-la tão profundamente, que saísse todo esse sangue! Como ela fez isso?”.
E novamente os passageiros deram gargalhadas e mais gargalhadas com o trocador, que a essa altura do campeonato já estava completamente vermelho de vergonha, sem saber o motivo porque havia tanto sangue naquela poltrona, onde uma passageira estava sentada.
E prosseguimos a viagem, sem que o trocador conseguisse entender o que afinal de contas havia acontecido ali, até que chegamos na praça principal de Itapemirim, e o motorista finalmente resolveu acabar de uma vez com aquela curiosidade e inocência do seu companheiro de trabalho.
- Mas você não percebeu, que a mulher simplesmente havia sangrado? – disse o motorista.
- Mas porquê? – perguntou o inocente trocador. E o motorista então deu-lhe uma rápida aula de biologia e conhecimento do corpo humano, finalizando e lembrando ao trocador uns versos da música de Rita Lee, em que todo mês a mulher sangra. E ainda assim, o inocente trocador não entendeu.

Outra história

Entre as inúmeras lembranças, que guardo de Marataízes-ES, essa é uma que não esqueço. Por vários motivos. Pela malícia, malandragem, rapidez de raciocínio, e pela comicidade.
A milésima freguesa

Paulo de Almeida Ourives

Existem coisas que acontecem na vida da gente, que nunca esquecemos. Como por exemplo uma vez em que morava em Marataízes, e esta ainda era uma praia do município de Itapemirim, que quando chegava as férias era logo invadida por milhares de turistas vindos de Minas Gerais. Isso sem contar com os diversos cachoeirenses que todos os finais de semana estavam sempre por lá.
O cachoeirense pelo menos é bem diferente do capixaba da Grande Vitória, pois o cachoeirense é muito mais amigo e humano do que os capixabas que moram nas redondezas da capital daquele estado. O cachoeirense portanto, está para Vitória, como por exemplo, o campista em relação a cidade do Rio de Janeiro, a diferença é que no Espírito Santo, a cidade de Cachoeiro de Itapemirim e a praia de Marataízes, estão no Sul do Estado, e aqui, Campos está localizada no Norte fluminense. Mas os aspectos humanos, e a facilidade de fazer amizades é quase a mesma, no início são um pouco fechados, mas quando passam a conhecer as pessoas, são amigos sinceros e leais. O que os difere dos capixabas da Grande Vitória, que são justamente o oposto.
Portanto, quando eu e minha família, digo, meus pais e meu irmão, morávamos em Marataízes, eu, todas as manhãs, acordava cedo, me arrumava e por volta das nove horas saía com meu tabuleiro apinhado de empadas para vender, enquanto isso, a minha mãe que havia acordado ainda de madrugada, já estava preparando outras fornadas de empadas, para deixá-las prontas e serem vendidas por mim, na praia, aos milhares de turistas mineiros, cachoeirenses, candangos, e até mesmo para alguns maratimbas.
Como acontecia em todas as manhãs, eu saía de casa, e percorria o mesmo caminho até chegar a Praia da Areia Preta, ela tinha esse nome, devido a cor da sua areia, que era preta e radioativa, onde os mineiros aproveitavam para se enlamearem com aquela areia e depois tomarem um banho, pois diziam que ela curava de reumatismos.
Ao chegar na Areia Preta, ainda cedo, sempre encontrava uma família de cachoeirenses que viviam pegando no meu pé, e zoavam de mim com inúmeras piadas e brincadeiras que eu acabava levando na esportiva, mas que antes de ir embora para atender aos outros fregueses eu dizia: “um dia é da caça, o outro dia é do caçador”. E lá ia eu, doido de vontade de pregar uma peça naquela família, que era composta pelo casal e por duas filhas já casadas, que iam para a praia levar os seus filhos.
Pois bem, uma bela manhã, de sol claro, céu limpo, encontro com as duas filhas do casal, e elas ao comprarem as empadas (para elas e para os seus filhos), ficaram preocupadas se a mãe delas estava ou não, com dinheiro para comprar as empadas que ela iria querer, pelo sim, pelo não, resolveram então pagar-me adiantado duas empadas, pois a mãe delas, estava a uns cem metros dali, conversando com uma amiga.
Levantei-me e nesse exato momento, a única coisa que veio em minha mente, foi um dos capítulos do seriado “Jeannie é um gênio”, onde a Barbara Sheldon, era a atriz principal e vivia o papel de um gênio que morava em uma bela garrafa, encontrada pelo Major Nelson, quando ele e o Major Hilley tinham ido à Lua.
Num desses capítulos ou filmes, como queiram, a Jeannie resolveu fazer uma surpresa para o seu “amo”, o Major Nelson, e chamou o Major Hilley para ir com ela até o supermercado fazerem umas compras. Após rodarem com o carrinho e escolher alguns produtos, ao chegarem no caixa, uma outra personagem também com um carrinho cheio de compras resolveu passar à frente da Jeannie, que como toda dona-de-casa ficou uma fera com aquela atitude mal-educada daquela personagem. Mas o que a Jeannie não imaginava é que, quando ela chegou no caixa, ela era a freguesa de número um milhão, e por isso o supermercado iria lhe oferecer inteiramente grátis, tudo o que estava no carrinho. Ela lógico, ficou feliz da vida com aquela sorte, e a medida que o Major Hilley tirava as coisas do carrinho, ela balançava a cabeça como de costume, e cada vez aparecia mais coisas naquele único carrinho, para desespero do gerente do supermercado.
Fiz esse pequeno relato sobre este filme, para que os leitores pudessem entender o que se passou a partir daí. Como aquela família, vivia me pregando peças resolvi então pregar uma peça neles todos, e ao me aproximar daquela senhora (mãe das duas filhas), abri o meu melhor sorriso, dei um bom-dia daqueles para animá-las, e ainda recebi um elogio daqueles da dita senhora, que comentou com a sua amiga, que o melhor salgado da praia, era preparado pela minha mãe.
Ofereci como de costume para as duas, sendo que a amiga dela, de imediato comprou e pagou apenas a que ela iria comer. Mas a dita senhora, alvo da minha molecagem havia esquecido o dinheiro em casa, não fiz por menos, lembrei do seriado, e disse que ela era a minha milésima freguesa naquele dia (isso às 9 horas, na minha primeira saída), e portanto ela não precisaria pagar pelas duas empadas. Dito isso, ela ficou feliz da vida, e eu mais que depressa fui embora. E das outras vezes em que era necessário passar por ali, eu cortava caminho pelas ruas que circundavam a praia, mas passar por ali eu decididamente não passava, para deixá-la bem à vontade com a minha molecagem.
À tarde, quando eu ía jogar vôlei, era obrigado, pela lógica, a passar bem na porta daquela família, e assim, resolvi dar uma volta enorme pelas outras ruas até chegar ao local onde iríamos jogar vôlei, e assim, também não cheguei a passar na porta deles, naquela tarde.
No dia seguinte, mais ou menos por volta das 9 horas (na minha primeira saída de casa, com o tabuleiro cheio de empadas), quando cheguei na praia, de longe avistei a família toda reunida e sentada na areia, vislumbrando aquela beleza de balneário, pois ali em frente ao local onde eles estavam, havia pequenas bacias naturais de água, nas pedras, e aonde as mães levavam os seus filhos para brincarem na água.
Ao me aproximar, prometi para mim mesmo que não iria rir da peça que havia feito no dia anterior. Mas quando abri o meu melhor sorriso e dei-lhes um bom-dia, a dita senhora, olhou-me com uma cara tão feia que chegava a dar medo. Mas eu, cinicamente perguntei o que estava acontecendo, afinal de contas era mais um belo dia de sol, céu claro, a água como sempre devia estar morninha, para as crianças que se divertiam a valer na bacia, e por aí vai. Num rápido olhar pelas duas filhas, percebi um sorriso malicioso, fazendo-me entender que dessa vez eu havia lhes pregado uma peça muito maior do que a que eles faziam comigo. Mas a velha não queria nem saber de milésima freguesa, e desatou a soltar os seus impropérios e a se queixar, afinal de contas, ela havia feito uma excelente propaganda a meu respeito com a melhor amiga dela, que agora era mais uma cliente em potencial, a comprar as empadas todos os dias, e etc.
Ela ainda relatou que ao voltar, para o lugar onde estavam as filhas, comentou com elas e com o marido que estava satisfeita, pois ela tinha sido a minha milésima freguesa, e por conta disso, ela havia recebido duas empadas de brinde. As filhas, segundo ela, passaram o dia todo rindo dela, e ela não sabia porque, somente à noite, quando estavam em casa jogando um baralho, é que elas comentaram que na verdade as empadas já estavam pagas, mas elas não podiam sequer imaginar o tamanho da brincadeira que eu havia feito.
A dita senhora, então, virou-se para o marido, que estava sentado ao lado dela, com a sandália de borracha na mão, e pediu que ele me desse surra de chinelo bem na frente de todo mundo. O marido por sua vez, para imensa frustração da senhora, não agüentou deitou de costas e rolou na areia de tanto rir com toda aquela história, e a peça que eu havia feito com eles. E no final ainda lembrou:
- Mas ele sempre disse, que “um dia é da caça, o outro dia é do caçador”. E voltou a rir da esposa dele, completamente frustrada, por ter sido vítima de uma bela peça, aqui agora contada em verso e prosa para vocês.
Durante a minha passagem por Marataízes, cheguei a vender empadas na praia, e dessa época guardo boas lembranças que coloco aqui, para vocês...



O “empadinha”

Paulo de Almeida Ourives

Existem coisas na vida que não esquecemos nunca, uma delas foi quando eu morava em Marataízes. As pessoas me viam na praia pela manhã todo maquiado e uniformizado e à tarde me reconheciam quando andava pelas ruas daquele balneário, que hoje possui ares de município emancipado.
As crianças sempre que me viam apontavam os seus dedinhos e falavam para o pai, a mãe ou os tios, “olha lá o empadinha!”. Isso tudo porque eu trabalhava vendendo empadas na praia e sempre os atendia com toda a educação, principalmente os mineiros, que estavam em maioria ali naquela praia.
Não importava o lugar que fosse, seja no supermercado, na sorveteria, nas quadras de volei que eram montadas na rua. E até dentro da Igreja, aparecia um dedinho a apontar na minha direção e a frase “olha lá o empadinha!”, vinha a seguir.
Nesse período lembro apenas de três crianças, que o tempo infelizmente fez com que eu apagasse da memória os seus nomes. Das três, uma delas coitada, quase ficou com torcicolo quando pela manhã, eu fui até o supermercado cedinho para comprar alguma coisa para colocar nas empadas que minha mãe fazia e aquele garotinho passou por mim, com o dedo em riste apontando em minha direção e falou para o pai dele, “olha pai, é o empadinha!”. Eu meio de soslaio, dei uma pequena olhada e ri daquela situação, o pai puxando o filho pela mão, e este coitado, com o dedo ainda apontando para a minha direção, e o que é pior, a cabeça também estava voltada para a minha direção, como a distância aumentava fiquei preocupado se aquele garotinho teria ou não um torcicolo tão cedo, por minha causa.
Uma outra situação que me deixou em plena sinuca de bico, foi quando numa tarde de domingo, eu me dirigia para a Igreja, para assistir à missa, e um dos garotos que conhecia, estava sentado no banco da frente da Igreja. Eu que sempre fiz questão de entrar pela porta principal, assim o fiz, e sentei-me no meio da igreja, em algum banco do lado esquerdo.
Sempre gostei de chegar cedo, principalmente naquelas missas da tarde, pois assim me preparava convenientemente para assistir a missa e ouvir as palavras do padre. Antes da missa começar, o pai das crianças, chegou um pouco depois de mim, e o garoto resolveu levar o pai até onde estava a sua mãe, foi aí que eu reparei que ela estava sentada do lado oposto onde eu estava sentado. O garoto, me viu e não falou nada, mas eu com um leve sorriso, fiz um cumprimento bem discreto. Logo depois ele resolveu voltar para onde estava sentado, bem na frente, ao lado da sua irmã, que era poucos anos mais velha do que ele.
No meio da missa, pouco antes da comunhão, quando todos os fiéis se cumprimentam, eu que já nem me lembrava do garotinho, fiquei envergonhado com a atitude dele. É que naquele momento, ele e a irmã resolveram vir até o banco onde estavam os seus pais, e ao cumprimentá-los ele apontou o dedo em minha direção e falou alto para que todos escutassem, “Pai, Mãe, olha lá o empadinha!”, eu fiquei ali no meu banco completamente corado de vergonha, mas acabei por atravessar o corredor e cumprimentar aquela família, e ser reconhecido por quase todos os fiéis presentes, como o vendedor de empadas.
Numa outra situação, um garotinho de mais ou menos três anos de idade, me viu na quadra sentado, esperando a hora de começar a partida de vôlei, e me perguntou se eu era o empadinha. Como ele não havia me reconhecido, resolvi fazer então uma brincadeira com ele para saber até onde iriamos com aquilo. Disse para ele que já tinha ouvido falar que havia na praia um vendedor que era muito parecido comigo, mas ainda não tinha tido a oportunidade de conhecê-lo - curiosamente, as pessoas que se parecem não acreditam que são tão parecidas com as outras, não é mesmo?
E aquele garotinho ali, em sua inocência, não havia me reconhecido, e disse que no dia seguinte ele ao ver o empadinha iria me apresentá-lo.
No dia seguinte, quando fui para a praia caracterizado com a minha vestimenta de vendedor de empadas, vi o menininho sentado na areia, meio emburrado, cheguei perto e perguntei o que estava acontecendo, e ele meio chateado, disse-me que no dia anterior havia conhecido um cara que se parecia comigo, os irmãos ao lado dele, morriam de rir dele, pelo fato dele não ter me reconhecido, condoído diante daquela situação não fiz por menos, ao revelar que na verdade eu havia lhe pregado uma peça, fi-lo por merecer uma deliciosa empadinha quentinha de frango, como ele gostava, sem que fosse necessário que o seu pai me pagasse por isso, apenas pelo prazer de ter conquistado a confiança de mais uma daquelas crianças que tanto me adoravam, e ao me verem na praia, corriam em minha direção, a desejar a empadinha mais saborosa daquela praia.

Um livro não publicado

Enquanto estava estudando na faculdade, resolvi colocar no papel todas as histórias que carrego em minha mente, fruto de boas lembranças, vividas em Campos, Marataízes, Vila Velha e Vitória.
O resultado são esses textos que disponibilizo para vocês. É bem verdade que alguns deles são mera obra de ficção, e foram escritos em um momento de profunda inspiração.
Com vocês, minhas crônicas...