sexta-feira, maio 19, 2006

Canetinha chata!



“Canetinha chata!”
Paulo de Almeida Ourives

Ei! Psiu!
Ahn? Onde?
Aqui!
Aqui, onde?
Na sua mão!
Na minha mão?
É!
Ué, uma caneta que fala!
Tá ficando louco! Caneta não fala.
Mas e o que você está fazendo?
Eu? Eu estou falando com a sua consciência.
Minha consciência?
É! Pôxa! Você vive criando diálogos dos seus personagens com a sua consciência, e não está entendendo o que está acontecendo?!
Não!
Veja bem! Você está pensando que eu estou falando com você, e você está pensando que está falando comigo, entendeu? Ou não entendeu?
Mas...
Não! Não precisa abrir a boca para falar comigo. Basta apenas pensar que está falando comigo!
Ahhhhhhh!
Ufa! Até que enfim, você entendeu! Já estava ficando preocupada!
Tá! Tá bem! Mas preocupada, por quê?
Porque você... Ah, deixa pra lá. Vamos mudar de assunto. Mas, quem é o figurante aí do seu lado?
Esse aqui do meu lado?
É!
Bem, ele é um escritor famoso.
Hum! Nunca vi mais gordo!
Mas que canetinha abusada!
Abusada, não! Menosprezada!
Menosprezada, porque?
Porque além de você, a bichinha aí do lado, tá tirando a maior onda comigo! Tá me esnobando!
Mas que bichinha?
A gorducha!
Que gorducha?
A que tá na mão dele!
Mas é só uma caneta!
E você pensa que ela não tá falando! Olha lá! Tá rindo de mim!
Rindo porque?
Porque você me trouxe aqui nesta festa, com esse vestido transparente, e tá todo mundo vendo o meu corpinho azul.
Era só o que me faltava!
Faltava o quê? Você bem que podia ter me dado um vestido novo!
Ham! Uma caneta abusada, que pensa que fala, e agora acha que quer um vestido? Brincadeira!
Brincadeira? Sacanagem é o que você faz com as minhas irmãs!
Estão todas morrendo de raiva de você!
Porque?
Porque você usa e abusa de algumas, e deixa as outras mofando, esperando por você. Pô! Vê se te manca, cara!
Essa é boa!
Hahahahahahahahahahaha! (gargalhada)
O que houve?
Olha lá! A bichinha levou outro tombo. Hahahahahahahaha! (gargalhada)
Pára de rir!
Hahahahahahahahahahaha! (gargalhada)
Pára de rir! Eu já falei!
Hahahahahahahahahahaha! (gargalhada)
Pára de rir! Você está me tirando do sério!
Tirando do sério porque? A lá, com toda aquela pompa, levou outro tombo!
Já falei, para de rir! Se não eu vou rir também!
Porque? Você não pode rir, não?
Não! O que os outros vão pensar?
Sei lá! Vão pensar que você está achando isso ótimo.
Ótimo de quê?
Chega! Vamos mudar de assunto!
Ufa! ainda bem! Já não agüentava mais ouvir as suas gargalhadas.
Ah, mas que foi engraçado, foi! Você não viu?
Vi o quê?
O gordo tentando segurar a bichinha pelos quadris, mas os dedos acabavam escorregando, iam para as pernas e ela levava o tombo.
Muito bonito! Né! E como é que você sabe que ele estava segurando ela pelos quadris?
Ué! Você também está fazendo a mesma coisa!
Hmmm!
Ó pode parar! Não gostei dessa cara!
Que cara?
Essa que você fez!
Mas eu não fiz nada!
Fez sim, eu vi!
Como é que você pode ver, você não tem olhos?
Tenho sim! Está debaixo deste chapéu horrível que você me colocou.
Eu não! Você veio assim da fábrica!
Mas foi você que me comprou!
Que petulância!
Petulância, uma ova!
Pára! Chega! Não agüento mais!
Eu não!
Que caneta chata!
Chata, nada!
Chata, sim!
Chata, porque? Só porque te chamei? Não pedi para você me comprar!
Ah, meu Deus!
Além do mais, não sei porque você me trouxe aqui neste lugar!
Mais essa agora! Eu tenho um trabalhão para lançar o meu livro aqui nessa festa, escolho você para dar os autógrafos e você ainda me faz uma dessas! Ora, bolas!
Mais essa o quê! As minhas irmãs estão chateados contigo. A pretinha diz que já não agüenta mais trabalhar pra você!
O que? Não acredito!
É! Ela me disse, que você usa e abusa dela, e ela coitada, trabalha feito uma condenada!
Ahn?! E daí? E as outras?!
As outras?
É!
Bem, a verdinha coitada! Já envelheceu, secou, e você até agora, nada!
Como, nada?!
Ó não gostei disso!
Disso, o quê?
Desse olhar!
Mas que olhar?
Desse que você fez! Você pensa que eu não vi!
Vai começar de novo?
De novo nada! Você pensa que eu não escutei?
Escutar o quê? Eu não falei nada!
Mas pensou! E eu não gostei!
Mas eu não pensei nada!
Mas, imaginou!
Vamos mudar de assunto. Você já falou da pretinha, da verdinha, e a vermelhinha?
Ahá! Curioso, você, né? Agora tá interessado no que a vermelhinha me disse, né?!
Conta logo e fim de papo!
Fim de papo, nada! Ela me disse que te acha um saco!
Saco?! Mas...
É! você só lembra dela de vez em quando.
E você? Sua tagarela!
Eu! Que tem eu?
O que você acha de mim!
Hum. Não sei!
Sua fingida! Eu que sempre te tratei bem, te trago para esta festa, e fica fazendo fofoca das suas irmãs! Sabe o que é que eu vou fazer, quando você me sacanear?
Vai fazer o quê?
Vou te jogar no lixo!
Hum! Duvido!
Duvida? Você vai ver!
Vou ver nada! Quem vai ver é você! Você não me conhece... Não sabe como eu sou, principalmente quando estou de cabeça quente.
Eu sei! Mas não sou trouxa! E coloco você de cabeça pra baixo, pra você não sujar o bolso da minha camisa, como você sempre faz com os outros, tá!
Pôxa... Só queria me divertir um pouquinho...
Mas já encheu a minha paciência! Pra mim chega! Vou colocar o chapéu nos seus pés, e te pôr de cabeça pra baixo, no meu bolso. E quando você chegar em casa, vou te colocar no lixo, como já fiz com tantas outras.
Ahá! Assassino de canetas!
Chata! E chega de papo! Hum!
Ai não me apertaaaaa!
Pronto! Agora essa caneta não me perturba mais!
...
- Moço, me dá um autógrafo? Gostei dessa crônica!
- Ah, não! De novo, não!
...
Iuhú! Voltei!
Ah, não! Vai começar tudo de novo!

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