sexta-feira, maio 19, 2006

O livro



O livro

Paulo de Almeida Ourives

Sou um pobre livro empoeirado e quase amarelado pelo tempo. Estou aqui preso e cercado de outros tantos livros na estante. Sei que alguns vizinhos meus, são muito importantes e famosos, outros, foram escritos por autores de renome, com fama nacional e internacional.
Enquanto alguns vizinhos só falam de filosofia, outros falam de história – e como tem gente falando de história por aqui! -, outros me contam romances, novelas, falam de peças teatrais e por aí vai.
Aqui também tem gente esnobe e chata que só fala inglês, francês, alemão e outras línguas que nem sei. Outros mais chatos ficam nos corrigindo e nos ensinando o significado e como se escreve esta ou aquela palavra.
Eu, só sei que falo de gente e de sentimentos, falo do quotidiano, filosofo de tudo um pouco, principalmente daquilo que ninguém havia pensado. Falo da vida, e procuro tocar as pessoas no seu íntimo. Às vezes faço as pessoas chorarem e se emocionarem, com o que está escrito em algumas das minhas páginas.
Aqui no meu canto, espremido por outros livros, fico feliz quando alguém me tira da estante e me leva para ler. Mas, quando isso não acontece, me retraio, faço silêncio e me recolho na solidão. Não fico triste porque alguém não me leva para ler, pois ao olhar para as minhas páginas, reflito sobre a vida. Lembro de como foi difícil para o meu autor conseguir me imprimir e me fazer chegar até aqui.
Foram noites e dias que pareciam intermináveis, meu autor, me escrevendo em seu computador e eu, ganhando mais corpo, mais páginas, até chegar o momento de ir para a gráfica, passar por impressoras e ganhar este corpinho.
Por falar nisso, sei que muitos dos meus vizinhos foram escritos à mão, com penas de ganso e tinta nanquim. Outros foram escritos em máquinas de escrever, eu por exemplo, sou da geração magnética, pois o meu autor me escrevia em seu computador, me guardava em seu HD, e me levava para passear em um disquinho de plástico.
Alguns vizinhos meus me contaram que sofreram horrores quando eram escritos pelos seus autores. Me contaram que sofriam com o cheiro insuportável da fumaça de charutos e até cachimbos. Com os borrões e rabiscos que os seus autores impacientes faziam em suas páginas, até chegar as palavras certas. Outros me contaram que pior do que isso, eram as noites de insônia dos seus autores e o cheiro do cigarro. Eles me disseram que chegavam a passar mal diante daquela situação. Outros me disseram que os seus autores viviam com copos e mais copos de uma bebida chamada uísque.
Eu pelo menos, não passei por estes dissabores, até porque o meu autor detesta tanto o cigarro como o cheiro da fumaça que ele faz. É incrível mas, o pai do meu autor fumava cachimbo, e ele me contava que o cheiro era maravilhoso, como é que pode, né? Não cheguei a conhecer o pai do meu autor, mas dizem que era um excelente jornalista.
Bem, mas voltando ao assunto, o pior é que passei por momentos de agonia com o meu autor. Sabe porquê? Porque quando ele estava com insônia e escrevia algumas crônicas ele sentava na frente do seu computador, e colocava do lado, um copo de refrigerante e um prato cheio de biscoitos de recheio. Nossa! Como eu ficava com desejo que ele me oferecesse um biscoitinho. O recheio era sempre o mesmo, de chocolate. Mas depois, me lembrava que não havia jeito de experimentar ou saborear aqueles biscoitos, afinal, eu estava dentro de uma máquina, não é mesmo? A única coisa que sabia era o tamanho das palavras: biscoito, com oito letras; chocolate, com 9 letras; e refrigerante, com 12 letras.
Mas o momento mais emocionante para mim foi quando eu e meu autor ficamos sob a luz dos refletores, em minha noite de autógrafos, quer dizer, desculpe! Nossa noite de autógrafos.
Nossa! Quanta gente, naquela noite. Vi tantas pessoas, tantos nomes importantes! Outros nem tanto. Mas o meu autor me autografava todo prosa, e me mostrava todo orgulhoso para os seus amigos.
Foram tantos autógrafos, que cheguei a ficar com pena dele, imaginando e sentindo o que ele sentia, e o cansaço das suas mãos em colocar o nome daquelas pessoas em minhas páginas.
Mas, a festa acabou, apagaram-se as luzes da festa, meus irmãos se foram e eu, vim parar aqui, na estante de uma biblioteca pública.
Que solidão!

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