sexta-feira, maio 19, 2006

Pedro Bloch já dizia, "criança tem cada uma..."


Criança tem cada uma...

Paulo de Almeida Ourives

As vezes passamos pela vida e nos deparamos com cada situação que ficamos completamente embasbacados com as coisas que algumas crianças nos dizem, ou soltam em sua expontaneidade. Vocês já repararam que não há um único livro de crônicas que não tenha pelo menos uma história de criança? Pois é, aqui neste livro há muitas crônicas que escrevi onde as crianças são protagonistas e personagens principais de cada situação que vivi, que de vez em quando eu me via recordando daqueles momentos tão hilariantes.
Segundo os poetas as crianças são verdadeiros anjos, pois dizem apenas a verdade e o que sentem, mas como estou para filosofar um pouquinho eu diria que as crianças de hoje, já nascem muito mais inteligentes do que as crianças de décadas atrás, inclusive da nossa própria geração ou, gerações anteriores a nossa, como a dos nossos pais e avós e por aí vai. Mas criança é sempre criança, onde quer que esteja não faz por menos, solta uma graça ou uma verdade, e todos nós começamos a rir dessas situações inusitadas.
Uma vez, quando ainda morava em Marataízes, e vendia empadas na praia, para ajudar aos meus pais, o tempo parecia que não estava ajudando muito, estava nublado, ventava além da conta, enfim, o dia não estava para peixe, e muito menos para entrar e tomar um banho de mar, principalmente em alguns balneários de Marataízes.
Ainda era cedo, estava na minha primeira viagem (saída), passei direto e reto pela praia da Areia Preta, sem que visse ninguém para comprar umas empadinhas. Mas ali, bem perto do Iate Club, havia uma cliente que fazia questão de comprar muitas empadas justamente na minha primeira viagem, passei pela sua casa, nem me lembro se ela estava em Marataízes, pois ela morava e trabalhava em Cachoeiro do Itapemirim.
Seguia rumo a praia principal, quando avistei de longe, uma família, na parte de baixo do muro que dá sustentação à piscina do Iate Club. Era uma senhora, um homem bem forte e um garotinho, pela hora e pela enorme bolsa que vi, no início confesso que nem passava pela minha cabeça a idéia de descer até ali naquele pequeno pedaço de praia para oferecer-lhes a minha empada, mas a medida que caminhava e tomava o rumo da calçada do clube, percebi no semblante de cada um, uma curiosidade natural de quem vai até Marataízes para tomar um banho, e as pessoas não me conheciam.
Já ia subindo na calçada, quando resolvi então voltar, descer a escada lateral e oferecer a eles o meu produto, apesar de saber que a probabilidade de receber um não era muito grande.
Mas, para minha surpresa, o homem estava desejoso de comer um bom salgado, e a minha empada era um convite aos olhos, a boca e ao estômago de qualquer um, principalmente porque ainda estavam quentes, e cheiravam muito.
Logo que desci, o homem quis saber o que eu vendia, e além de dizer que eram empadas, ele automaticamente quis comprar não apenas para satisfazer aquele desejo momentâneo mas, iria comprar muitas empadas. O garotinho, já estava bem ao meu lado, e resolvi então agachar-me para saber qual a empada que ele iria querer e ele, me respondeu:
- “Quelo de camalão”.
Fingi que não havia entendido direito, e pedi que ele me dissesse de novo qual a empada que ele queria, e a resposta foi a mesma, do mesmo jeito. Nisso o homem, falou bem alto, que ele não sabia falar “camarão”, pois ainda trocava as letras “r”, pela letra “l”.
Não me fiz de rogado, e disse que iria ensiná-lo a falar corretamente, enquanto ele ia buscar um prato para colocar as empadas. Pedi ao garotinho então, que repetisse comigo as palavras “ca-ma-rão”. Ao que ele então me respondeu corretamente, mas com uma certa dificuldade, principalmente na última sílaba, mas falou.
Pedi então que falássemos novamente a mesma palavra mas, um pouquinho mais rápido, e ele então me acompanhou e conseguiu pronunciar a palavra corretamente. Satisfeito, por ter conseguido ensiná-lo a falar “camarão”, de maneira correta, pedi então a ele que falasse mais uma vez de forma rápida mas, desta vez, sem que eu o ajudasse, e eis que o garotinho, parou, respirou bem fundo, e soltou um:
- “Ca-ma-rão”, de forma rápida, e sem a minha ajuda.
Não me contive e disse para o homem: - “Está vendo, consegui, ele falou corretamente!”. Então decidido a mostrar que ele podia falar a palavra corretamente, pedi ao garotinho que repetisse para o seu tio (já tinha descoberto então, o grau de parentesco dos dois), a palavra de forma correta, e eis que o garotinho então, respondeu:
- “Só falo uma vez”.
E ponto final, a resposta dele, foi tão seca que tanto eu como o tio dele, ficamos de queixo caído diante daquela resposta tão séria e inusitada, principalmente porque eu jamais poderia imaginar que uma criança de uns dois anos aproximadamente, pudesse dizer algo de forma tão segura e catedrática.
Vendi as empadas, levantei-me, agradeci e me despedi deles, completamente sem graça daquela situação. Subi as escadas e voltei para a calçada do clube, ainda estupefato diante daquela resposta, mas quando passei pela igreja e pelas peixarias não me contive e caí na gargalhada com aquela resposta, e muitas pessoas que me viam, paravam-me para saber do que afinal eu tanto ria, eu lhes contava minuciosamente e não havia jeito, todo mundo acabava de rir da resposta do garotinho. Enfim, parodiando uma velha coluna de uma revista especializada em crianças eu diria que realmente, criança tem cada uma...

Nenhum comentário: