sexta-feira, maio 19, 2006

A fila



A fila

Paulo de Almeida Ourives

O cotidiano é pródigo em dar-nos oportunidade para vermos ou ouvirmos alguns acontecimentos que são de tão engraçados podem virar piada. Melhor ainda quando conhecemos outros lugares, outras cidades, ou até mesmo, costumes de outros países, mesmo sem nunca ter saído do país. Afinal, as TV´s fechadas estão aí para isso, mostrando-nos diversas imagens, reportagens e documentários sobre os costumes e tradições em outros países.
Um dia de semana qualquer, estava numa fila para inscrever-me em um concurso público, a fila era imensa na frente do Liceu de Humanidades. Para que tenham uma idéia da quantidade basta lembrar que a fila ía de uma das portas até a escadaria lateral. Devia portanto ter pelo menos duzentas pessoas, isso se não houvesse mais pessoas, aproveitando-se da sombra das árvores da rua Barão da Lagoa Dourada.
Mas enfim, era uma fila enorme, e as pessoas ali estavam muito ansiosas em serem atendidas com rapidez pois o sol daquela manhã era muito forte.
Em meio as minhas olhadas para os lados, para apreciar e ver tudo o que se passa, principalmente para os lados da praça em frente ao Fórum, percebo pela distância que uma senhora, não tão idosa assim, caminhava pela rua Gil de Góis, no sentido da Estação para o centro da cidade, quando repentinamente mudou a sua trajetória e veio direto ao encontro da fila.
Quando chegou bem perto, chamou a atenção de alguém que estava bem à minha frente e perguntou:
- “Olá, para que serve essa fila?” - logo, a pessoa indagada, respondeu-lhe o que era óbvio, e disse que a fila era para inscrição em um concurso público. A curiosa senhora então, ao ouvir a resposta deu meia volta e voltou ao seu rumo, mas antes de virar-se ouvi claramente que ela iria mandar a filha e a neta inscreverem-se para o concurso e aproveitar aquela oportunidade.
Ao ouvir tais palavras, e acompanhando o seu passo rápido até o ponto de onde ela havia saído, me vi então filosofando sobre a curiosidade daquela senhora. Lembrei-me então de outras situações, e de outras filas que enfrentei, como a da carne, no final da década de 70, quando residia no Rio de Janeiro, e todos os sábados eu ia cedinho para um supermercado que ficava entre os bairros de Olaria e Vila da Penha, para comprar a carne para a semana toda. E isso aconteceu durante semanas, até que o governo brasileiro resolveu então comprar carne bovina da Argentina.
Mas voltando as minhas indagações, percebi e cheguei a conclusão de que o brasileiro quer queira ou não, gosta mesmo é de entrar numa fila. Não importa para o quê, no início ele entra sem reclamar, com o tempo, e a demora ele passa a ficar nervoso, reclama da demora, do governo, acha que é um absurdo enfrentar a fila, reclama de quem está na frente, que não cobra mais agilidade no atendimento, enfim, reclama de tudo e de todos, mas quando chega a sua vez de ser atendido, quer ficar horas e horas sendo atendido pela bela mocinha. E se esquece que reclamou tanto dos outros que também queriam ter o privilégio de receber alguns minutos de atenção daquela mocinha bonita, simpática e com um belo sorriso estampado no rosto.
Mas como lhes disse, há doido para tudo, tem gente que entra numa fila, e quando chega na frente é que pergunta para que serve a tal fila. Existem aqueles que já viraram até profissionais de fila, aliás, diga-se de passagem esta é uma categoria de cidadãos que ainda não criou um sindicato, não possui estatuto, e nem regulamentação, ou sequer foram lembrados pelos nossos governantes. Não pagam impostos, mas vivem exclusivamente do aluguel de seus corpos para enfrentarem uma fila. Eles, normalmente levam cadeiras, mesas, baralho, comidas, bebidas, cobertores, travesseiros e por aí vai. E fazem de tudo para ganhar um dinheirinho, vendendo até o que levaram para suprir os gastos que terão.
Há aqueles que fazem de tudo para ganhar um dinheirinho a mais, e entram numa fila só para leiloar a vaga. Mas há também aqueles caras que entram numa fila e a todo momento ficam perguntando a hora para um e para outro cidadão que também está na fila, quando é que a fila vai começar a andar e só entram numa fila para reclamar. Enfim, em termos de fila há doido para tudo.
É claro que há outros tipos que entram numa fila não perguntam nada, obedecem criteriosamente a ordem de chegada e quando chega o momento de ser atendido é que pergunta para que serve a tal fila. Isso sem contar aqueles que ficam horas e horas ali parado na fila e depois de um bom tempo, quando passam a ter a possibilidade de serem atendidos, desistem.
A fila, é assim, um lugar público, onde as pessoas acabam se conhecendo, trocam idéias sobre todos os assuntos, esgotam a paciência de todos aqueles que estão por perto e depois de algum tempo vão embora, passam dezenas de vezes por aqueles que estavam a sua frente, e simplesmente não lembram mais que um dia estiveram em uma fila, fizeram uma pequena amizade que esvaiu-se depois que foram atendidos.
Depois de muitas reflexões sobre estes diversos tipos de pessoas que fazem de tudo para enfrentarem uma fila, fiquei pensando se um dia eu fosse um repórter de jornal (isso aconteceu antes de entrar numa redação de jornal), e fosse dar uma sugestão de título para a matéria escrita. Cheguei a conclusão que o melhor título para a matéria seria: “Tarados por uma fila”.
Mas, nesse mesmo instante, lembrei de uma coisa, “e se eu estivesse em Portugal?”. Como sei que as palavras lá na terrinha tem outro significado, comecei a ficar preocupado com o título, tudo porque lá em Portugal, a fila possui um outro nome. E o título da matéria teria que ser traduzido para a língua portuguesa materna, os portugueses então passariam pelas bancas de jornais no dia seguinte e veriam a seguinte manchete: “Tarados por uma bicha”. E cá entre nós, não adianta alguns espertinhos tentarem furar a bicha, pois os portugueses, acabam mandando o gajo ir para o rabo da bicha.

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