sexta-feira, maio 19, 2006

A enseada



A enseada

Paulo de Almeida Ourives

Como já contei em outras crônicas, de vez em quando passeava ou viajava de barca entre Vila Velha, onde morava e, Vitória, onde trabalhava. E entre um passeio e outro, vislumbrava uma pedra pequena que parecia flutuar sob a água da Baía de Vitória. Bem ao lado, havia uma pequena enseada, um lugar curioso, que apesar de estar a poucos metros da civilização, na verdade vivia completamente afastada do mundo.
Sei que uma família morava ali, pois além de uma canoa e rede de pesca, instrumentos utilizados pelo chefe da casa, de vez em quando eu via algumas galinhas e um cachorro.
Mas aquela enseada era interessante. Uma pequena prainha, com algumas árvores, a fazer sombra, um quintal, e uma casa de madeira. Ao entardecer ou à noite, quando saía de um emprego e ía para o outro, naquela caminhada vislumbrava uma luz de velas, ou lamparina, sinal de que não havia energia elétrica naquela casa.
Dali do meu posto de observação, do outro lado da avenida Beira-Mar, ficava imaginando como seria a vida ali, naquele pequeno pedaço de mundo, nas margens de um outro mundo em evolução.
Uma cidade toda iluminada pela energia elétrica, pessoas indo e vindo para o trabalho, em seus veículos particulares e nos ônibus, gente saindo da escola, pessoas que vivem e não conseguem sobreviver sem a energia elétrica. E eles ali, naquele pequeno mundo, sem energia elétrica, sem um rádio, uma televisão, uma geladeira e tantos outros aparelhos eletrodomésticos que usamos no dia-a-dia e sabemos que necessitamos da energia elétrica para fazê-los funcionar. E aquela família ali, na pequena enseada a ver tudo e a todos nós.
Parecia que olhávamos um para o outro a imaginar como éramos estranhos, e como os nossos mundos eram tão distantes. Eles ali, sem energia elétrica, e nós do lado de cá, com uma infinidade de melhorias e serviços que eles não tinham.
É lógico que aquela família não vivia ali, enclausurada naquele pequeno mundo, pois a canoa de vez em quando aparecia do lado de cá, próximo do Clube de Regatas Saldanha da Gama, e lógicamente eles procuravam ou compravam alimentos, remédios, roupas e outras coisas para a sua subsistência.
Imaginava como seria possível uma família viver sob aquelas condições, quais as dificuldades que eles tinham, e quais as vantagens de morarem tão afastados do mundo moderno.
Um mundo violento, onde algumas pessoas cometem crimes bárbaros por pouca coisa, ou quando muito sem motivo aparente. Mas ali não, não havia violência, porque morava apenas uma família. Sei que as dificuldades eram muitas, talvez tivessem um filho que estudasse ali perto. De dia, ajudava o pai, na pesca ou no levar-e-trazer passageiros de um lado para o outro da Baía de Vitória, à noite sob a luz de uma vela, ou de lamparina, o garoto possivelmente poderia estar estudando.
Essas divagações e comparações que fazia entre esses dois mundos tão distintos e tão próximos não levavam tanto tempo assim, como por exemplo, o tempo que o leitor deve estar gastando para ler esta crônica. Eram apenas algumas divagações em cinco ou, oito minutos, tempo suficiente para vislumbrar aquela pequena enseada enquanto continuava a minha caminhada até o outro emprego, próximo do Colégio Dom Bosco.
Sei, que além daquela pequena enseada, há no país outros lugares como aquele, com gente simples a habitá-la, gente que vive do jeito que eles aprenderam com seus pais e avós, sem muitas das melhorias tecnológicas que temos.
Não assistiam a TV, e talvez não soubessem dos fatos que ocorriam pelo mundo afora, guerras, pestes, gente morrendo de fome, pessoas morrendo de Aids, o homem em sua luta constante para descobrir os mistérios do espaço, e do fundo do mar. E eles ali, tão perto de tudo mas, tão distante dos problemas e das doenças que enfrentamos. Talvez fosse até presunção minha, dizer que nós somos uns bobos, porque no fundo, no fundo, o que mais queremos na vida, é descobrir o paraíso, e o paraíso está ali, tão pertinho de nós.

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