sexta-feira, maio 19, 2006

O relógio do "Seu Candinho"




O relógio do “Seu Candinho”

Paulo de Almeida Ourives

Era cedo e corri à padaria para comprar o pão nosso de cada dia, enquanto a água estava esquentando no fogo para preparar um delicioso café, na pressa em que estava acabei passando por senhor de idade que também entrava na padaria, mas como havia outras à minha frente no balcão não fui atendido de imediato, quando então a balconista fez menção de atender-me, ouvi uma voz por trás de mim – o tal senhor – a pedir dois pães pois estava atrasado para ir ao médico, e ante ao desejo da balconista em querer saber quantos pães eu levaria disse-lhe que primeiro atendesse ao tal senhor afinal, por uma questão de direito os idosos têm a preferência, mesmo porque uns minutos a mais para mim não teria tanta importância.
A balconista prontamente atendeu-o, e posteriormente à mim, mas antes de encaminhar-se ao caixa o dito senhor agradeceu-me à gentileza. Ao ser atendido fui para o caixa e encontro-o a meio caminho, mas como ele ainda parou à olhar alguns quitutes sobre o balcão cheguei ao caixa primeiro, como percebi que novamente ele estava atrás de mim, dei-lhe permissão para que fosse atendido primeiro, afinal em hora marcada com médico não se deve chegar atrasado, ele então agradeceu-me novamente e foi embora.
Passados uns dias encontrei-o, mas desta vez ele já havia sido atendido e esperou para contar-me o que havia lhe sucedido. Contou-me que chegou duas horas mais cedo do que o médico e o horário previamente marcado.
Completando à narrativa, e estando na calçada em frente à padaria disse-me que o neto havia brincado com o relógio e o havia arrebentado, inclusive não contando para os avós sobre a arte praticada, além disso a dona Esmeralda (sua esposa), preocupada com um possível atraso, havia adiantado o relógio só um pouquinho sem falar-lhe absolutamente nada.
Lamentei o ocorrido, e ele também lamentou-se afinal o relógio, segundo ele, era uma porcaria. Aproveitou então para contar-me sobre um certo relógio que havia comprado há muitas décadas, quando ainda era muito moço e trabalhava como caixeiro-viajante, e na primeira comissão que recebera resolveu comprar um relógio apenas por vaidade, pois como viajava muito e à cavalo, já estava um tanto quanto acostumado a ver as horas apenas pelo ângulo da sombra sobre as árvores em relação ao sol. E, uma certa feita, estava a viajar quando de repente o cavalo começou a pender para a direita, inclusive dando uns pinotes, e ele acabou indo ao chão dentro de uma poça d’água, a mala onde carregava as mercadorias abriu e esparramou todo o seu conteúdo, ele já aborrecido e molhado por aquele banho inesperado, conseguiu pegar o animal e levou-o para um local mais adiante, prendendo-o em uma árvore, voltando em seguida para colocar tudo novamente na mala, ficar mais um tempo sobre o sol, para secar a roupa que estava vestindo e parte das mercadorias que havia caído na poça, e então seguir a sua viagem.
“Quando estava chegando em um lugarejo, resolvi bombeá as horas e só então percebi que havia perdido o relógio. Cheguei a pensar que tinha sido no hotel onde normalmente me hospedava e pensei que decerto o velho Juvêncio deve tê-lo encontrado e guardado.
Passou-se muito tempo, uns três anos talvez, entre idas e vindas, de um lado a outro, quando estava novamente passando já de volta por aquela mesma estrada e o cavalo como que assustado se negava de um lado, olhei em volta e a princípio não vi nada, mas como o cavalo continuava arredio, resolvi amarrá-lo em uma árvore e olhar com mais calma por sobre um um barro que estava duro devido à seca, até que de repente em meio ao silêncio daquele lugar pude ouvir um barulho. Intrigado, agachei-me e fiquei a escutar, até que comecei a escutar tic, tac..., tic, tac..., tic, tac..., tic, tac..., tirei a roupa e mergulhei no que ainda restava da lagoa e, pude ver o meu relógio lá no fundo e ele fazia tic, tac..., tic, tac..., tic, tac..., tic, tac...
Sinceramente, relógio como aquele já não se fabrica mais, mas também era de um aço bárbaro.”
Após a narrativa despedimo-nos um do outro e o dito senhor então perguntou-me o nome, respondi-lhe e ele também se apresentou, Senhor Cândido mas eu poderia chamá-lo de Seu Candinho.

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